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No meio do rally tinha uma jornalista

No meio do rally tinha uma jornalista

Desembarquei em Fortaleza ansiosa pela experiência de cobrir meu primeiro rally. Toda a expectativa repousava sobre a possibilidade de ver os competidores acelerando e esforçando-se para conquistarem a melhor marca, correndo contra o tempo para superarem seus próprios limites. Contudo, depois das primeiras horas, descobri que para mim o rally teria dupla missão: capturar as melhores cenas de um Brasil fantástico incrustado nos Estados do Ceará, Piauí e Maranhão, e também sobreviver a um ambiente masculino no qual eu era a única jornalista convidada. Sim, quatro dias rodando quilômetros e mais quilômetros de estrada de chão e asfalto, registrando cenas de um solo brasileiro ora litorâneo, ora rural, ora deserto, ao lado de um pequeno pelotão de testosterona formado por outros tantos jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas, pilotos, motoristas e diretores de prova. Se na vida cotidiana, a briga de sexos já é papo antigo e profissionalmente nivela homens e mulheres, na estrada a sensação é a mesma. Debaixo de sol ou comendo poeira, não há espaço para frescuras ou mimos. Munida de mochila com equipamentos, bolsa e mala, não coube a mim gentilezas típicas, carregava minha mudança a cada novo hotel ou pousada, assim como, os outros caras do grupo.
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O piloto Bacaninha (à esq.), alguns dos jornalistas e eu, antes do passeio pelo rio Preguiça

Dessa forma, ao mesmo tempo em que você conhece pessoas que você nunca viu na vida, convive com olhares e olhadas, com conversas profundas e cantadas, com costumes e piadas. Aliás, certas piadas e certos papos masculinos foram feitos para levar qualquer mulher ao limite da paciência, e nos fazer entender porque eles levam mais tempo para amadurecer. Ali, num ambiente de suor e barba, sair do banho com roupa limpa e perfume é o mesmo que espalhar o mais sedutor dos feromônios e aguardar a caça. Por outro lado, a convivência com o universo masculino te força a deixar alguns medos para trás, talvez porque faça parte da natureza da maioria deles, a qualidade de ser destemido. Foi empurrada por eles que me vi encarando trilhas na escuridão de um deserto de dunas ou desafiando a gravidade a bordo de uma picape 4×4, num passeio de lado – literalmente – sobre as areias cearenses. E eles pediram bis. Quem está no grupo dos caras também não se surpreende quando eles – sem almoço – entram na casa de campesinos maranhenses e na maior cara de pau pedem comida para um grupo de 20 desconhecidos. Ou então, quando te convidam para uma rodada de shots de cachaça pura. Com eles compartilhei meu medo – ainda inexplicável – de galinhas, e daí, como usar uma informação dessas no meio de algum lugar no Maranhão? Jogue comida perto dos meus pés para que uma gangue de galinhas famintas corra desesperada na minha direção. Senti intermináveis segundos de aflição, para depois ouvir: Para de frescura!

Longe deste texto querer suscitar qualquer questão sobre fragilidade. Como em poucas oportunidades, senti-me tratada de igual para igual, tanto como profissional, como enquanto mulher. E se igualdade era um dos vieses da Queima dos Sutiãs, num rally você tem a prova de que ela foi conquistada. E na verdade, carregando peso ou comendo poeira, fiz amigos e me diverti em cada uma das situações anteriores. Menos com as galinhas.


Flávia Lelis, editora de conteúdo online e amante de viagens por natureza

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