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24 horas de Caraça

24 horas de Caraça

Incrustado no meio de um vale de diferentes tons de verde, de longe parece mais uma construção colonial, talvez a casa grande de uma gigante fazenda. Mas de perto o que se tem é uma hospedaria desenhada no interior de um ambiente religioso, mais precisamente no Santuário do Caraça, em Catas Altas, Minas Gerais. Por aqui, fala-se baixo, caminha-se devagar. No primeiro contato, ao hóspede é entregue a chave do quarto e mais uma pequena cartilha de quatro páginas com todas as regras que devem ser rigorosamente seguidas durante sua estadia, de forma que excetuando coisas básicas como a proibição de depredação e colheita de flores, algumas normas chamam mais a atenção, como o fechamento dos portões principais da propriedade às 17h e o jantar que é exclusivamente servido entre as 18h30 e 19h30. As 19h31 nada mais sai da cozinha ou do bar do restaurante.

O susto frente aos preceitos tão diferentes, se comparados ao de um hotel comum, é superado num passeio pelas estruturas do Caraça, o que permite conhecer a neogótica Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, tanques d’ água, trilhas, o amplo e belo jardim e o um museu que guarda toda a história do local, a começar pelo fato de que na verdade ali funcionava um colégio interno católico para meninos, de onde sairiam formados Arthur Bernardes e Afonso Pena, mais tarde presidentes do Brasil. Em 1968, um incêndio pôs fim a hegemonia do internato, restando só as lembranças em fotos e objetos. Entre as peças mais curiosas está a cama em que o imperador D. Pedro II dormiu quando se hospedou aqui e trechos de seu diário. Do lado de fora, uma pedra no meio de uma ladeira demarca o exato lugar onde o monarca teria levado um grande tombo.

De volta ao quarto, onde não há rádio ou televisão, mas apenas cama, garrafa de água e uma bíblia, é preciso um pouco de paciência para ter um banho quente, já que a água da região é bastante fria. A partir das 20h os hóspedes e funcionários se reúnem para acompanhar a celebração de uma missa e logo depois, diante de uma travessa de carne crua, ficam na expectativa de uma quase lenda: o lobo guará. Dependendo do humor do animal, ele sobe as escadas diante da igreja e se deixa observar durante sua refeição. Com o não comparecimento do lobo, resta ver fotos dele feitas em noites anteriores, e acreditar que ele existe. Perdoada a gafe do bicho, as manhãs no santuário são abertas às 5h quando a cada hora fechada, escutam-se as badaladas do sino. Novamente reunidos, hóspedes de todas as idades saboreiam um café da manhã apetitoso, com opções de pães, bolos e frios. No entanto, se desejar um ovo mexido ou mesmo pão na chapa, levante e faça você mesmo. A chapa é toda sua!

Ao fim de 24 horas de hospedagem, enquanto uns questionam as regras, e outros o porquê de escolher uma estadia como essa, compreende-se que optar pelo Santuário é a chance do autoconhecimento na solidão de um quarto sem ruídos, aprendizado sobre comunidade nas mesas compartilhadas com pessoas que você nunca viu e freio para uma vida sempre agitada que já desconhece os prazeres de uma simples caminhada na natureza ou uma tímida prece.

Para saber mais:
Santuário do Caraça www.santuariodocaraca.com.br

Foto: Glauco Umbelino


Flávia Lelis, editora de conteúdo online e amante de viagens por natureza

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